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Carta aberta aos que habitam no deserto
Talvez você fique extremamente bravo comigo por escrever essa carta. Tudo bem. Eu entendo. Eu também estou um pouco brava comigo. A verdade é que eu sempre ouvi os pregadores afirmarem que o deserto é apenas um lugar de passagem para o crente. O tipo de lugar que você passa apenas um tempo para aprender algo que será de grande importância no restante da sua caminhada. Eu sempre pensei no deserto como uma escola, o lugar que você frequenta durante muito tempo, mas não a vida toda. Um lugar onde você realiza um milhão de provas e testes e, caso não alcance o resultado esperado, você refaz até aprender e ser aprovado.
Eu não discordo dessa visão e pode ser que, um dia, eu escreva uma carta para você sobre isso.
A verdade é que eu me deparei com a seguinte pergunta: e se eu for o tipo de pessoa que nasceu para habitar no deserto?
E se eu não for Isaque, filho da promessa, privilegiado, herdeiro de todos os bens do pai?
E se eu for Ismael, filho da escrava, expulso de casa com uns poucos pães e uma vasilha de couro cheia d'água?
E se eu me deparar com um deserto inteiro a minha frente para chamar de lar?
Em Gênesis 21:20, a Bíblia é clara ao dizer que Ismael CRESCEU, HABITOU no deserto e foi flecheiro. Como se as informações anteriores sobre a vida de uma criança que estava prestes a morrer de sede não fossem chocantes o suficiente, eu lhes digo, ainda, que o nosso Deus estava com ele no deserto. Eu já entendi: ninguém quer morar no deserto. Você não quer. Eu não quero. O choro de Ismael no versículo 17 nos diz que ele também não queria. Mas é aquela coisa: querer não é poder, my friend.
Ismael habitou no deserto. No deserto de Parã, ele cresceu, se fortaleceu, construiu sua casa, constituiu uma família e desenvolveu habilidades. Eu não posso falar por você, mas eu vejo uma história de sucesso aqui. Eu vejo uma nação crescendo no deserto. Eu vejo um homem sobrevivendo apesar do solo arenoso e pobre em matéria orgânica. Eu vejo uma família sobrevivendo apesar dos longos períodos sem chuvas. Eu vejo indivíduos escrevendo seus nomes na história apesar das temperaturas extremas: quando faz frio, faz muito frio e, quando faz calor, faz muito calor. Eu vejo Ismael escolhendo ser especialista na área em que poderia estar traumatizado.
Ismael habitou no deserto. Mas, se pudéssemos perguntar, talvez ele diria que preferia ter habitado perto do pai. Seria ótimo não ter que se adaptar ao deserto e não precisar superar todas as dificuldades até finalmente conseguir se estabelecer. Seria ótimo ser herdeiro. Só que Ismael não tem escolha. Ele é o personagem da história que lida com as consequências dos erros dos que vieram antes dele. Ele é o filho que não pediu para nascer e, mesmo assim, foi "castigado" por ter nascido. Ele é Ismael, o tipo de gente que mora no deserto.
É desesperador identificar-se com Ismael e não com Isaque. É desesperador perceber que o deserto não é um lugar que frequentamos às vezes e, sim, com mais regularidade do que gostaríamos. É desesperador saber que Deus está dizendo a Abraão que tudo bem deixar a gente na mão. É desesperador saber que alguém poderia evitar que morássemos no deserto, mas o papel dessa pessoa em nossas vidas é exatamente mostrar-nos o caminho para lá.
Se você acha que essa carta te incentiva a viver na miséria e na frustração, leia novamente. Está claro que você leu errado.
Se você não tem muito a ver com Isaque e tudo a ver com Ismael, eu tenho uma boa notícia: você não vai apenas sobreviver no deserto. A sobrevivência é só o primeiro passo. A sobrevivência é só a primeira experiência com o Deus que ouve a sua voz, entende o seu choro e provê mais do que um copo de água, Ele te dá um poço inteiro. Depois da sobrevivência, vem o crescimento no deserto. Ninguém espera que você evolua aí onde você está, mas você é do tipo que NÃO precisa mudar a localização geográfica para ter sucesso.
Você cresce no deserto.
Pode não estar chovendo do lado de fora, mas é certo que existe chuva do lado de dentro.
Você não se apega ao deserto.
Você se apega ao Deus que mora com você no deserto.
E, então, chamar de deserto não faz mais sentido.
E, se não for do seu agrado dividir o espaço com Ismael, talvez você goste de saber que João Batista também morou no deserto.
Se essa não é uma área nobre, eu retiro tudo o que eu disse.
Ou não.
Com amor,
nascida e criada no deserto.
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